sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Trânsito paulista, brasileiro, latino-americano

- Guarda o celular.

Amendoim! ”, “ Amendoim! ”, “ Amendoim! ”.

Não tenho certeza se trato disso ou sigo.
Um homem negro aparenta quarenta e sete anos ou mais, talvez, tenha menos.

Amendoim! ”, “ Amendoim! ”, “ Amendoim! ”.

Dia um. Possível relacionamento. Oito da noite. Estão, dentro de um carro, dois personagens, passeiam. O condutor obediente na indicação – LUZ VERMELHA – do semáforo, para o veículo.

Amendoim! ”, “ Amendoim! ”, “ Amendoim! ”.

- E aí, brow, vai levar? – Fala do trabalhador – personagem vendedor de amendoim torrado. O trabalhador aproxima-se do veículo com intimidade.
- E aí, beleza? – Fala do condutor. O condutor abaixa por completo o vidro lado esquerdo, lado do motorista do veículo.
- Ahh! Olha só! acompanhado. Vai levar?
- afim? – O condutor dirige a fala ao passageiro. O passageiro não pronuncia palavras. O passageiro força os lábios, os olhos, o rosto, o sorriso. Faz que não com a cabeça.
- Não, hoje não. – Fala do condutor para o trabalhador.
- certo. Ó lá, brow, abriu!
- Valeu!
- Falou! Vão com Deus.
- Valeu. – O veículo parte.

Dia dois. Confusão. Semáforo. LUZ AMARELA. Os veículos param. O trabalhador caminha no corredor formado entre os carros.

Amendoim! ”, “ Amendoim! ”, “ Amendoim! ”.

O trabalhador nota o passageiro do dia um. O passageiro do dia um está novamente no passageiro. Outro veículo.

- Boa noite. – Fala do trabalhador diretamente para o passageiro. – Vai levar?

O passageiro guarda o celular. O passageiro, novamente, sem pronunciar uma palavra faz que não com a cabeça.
O trabalhador curva o torso. O trabalhador aproxima-se do veículo com a mesma intimidade do dia anterior.

- E o parceirinho, vai? – Fala do trabalhador para o condutor do veículo. – Opa! Desculpa. – O condutor é outro. O condutor não é o mesmo do dia um. – Perdão.

Os veículos partem. 

Dia três. Erro. Veículos parados no trânsito. Semáforo. Ponto de trabalho do trabalhador.

Amendoim! ”, “ Amendoim! ”, “ Amendoim! ”.

- Salve, parça!

Condutor um. Volume médio. Sozinho. O condutor um desce o vidro do veículo, lado esquerdo, lado do motorista. O trabalhador continua a fala.

- Beleza? Passou ontem por aqui o passageiro um, no passageiro. Outro carro. Outro condutor.

O condutor um trava o sorriso. O condutor um abaixa o volume, tira o som. O condutor um está mudo.

Semáforo. LUZ VERDE. Um, dois, três, quatro, cinco segundos, buzinas.

- Abriu, parça! Abriu. – O trabalhador chama atenção do condutor um.

O condutor um tem os olhos cheios d’água. Mais buzinas. O trabalhador aproxima-se do veículo. O trabalhador abre a porta do motorista.

- Brow. Ei, brow. Cai pro lado.

O condutor um esparrama-se para o passageiro. O trabalhador abre a mala do veículo. O trabalhador exige calma dos outros condutores. O trabalhador põe na mala um forno a carvão feito latão de tinta dezoito litros. O trabalhador assume a direção.

Gratidão.