Entrevista parte um.
Estão acomodados em um pequeno sofá perfeito para o
tamanho do apartamento. Têm as pernas cruzadas e, a ponta dos pés, sem querer,
se tocam
Não há mesa de centro como apoio possível para os objetos
Liga e então, desliga o gravador
- vamos lá?
- vamos
- quero perguntar algumas coisas
- Tudo bem
- se é que há serviço nisso, não é mesmo? – um riso
- como assim?
- se é que há um porquê de tratarmos disso, não é? –
mais risos
- foi você quem sugeriu. você quem veio até aqui
- É verdade. vamos conversar
- Ok
- Me fale das suas influências. quais são?
- Bem, minhas influências? – Visivelmente contente
- sim
- Nossa, sempre imaginei um dia poder falar sobre isso
- pois fale
- mas nunca pensei que alguém, um dia, se interessaria
- Eu também não
- como é?
- Mas aqui estamos nós, só nós dois. Do que não poderíamos
falar, não é mesmo?
- É
- que é?
- que nunca me perguntaram isso
- isso o que?
- as influências
- ah, sim. aproveite e fale
- são tantas
- o que são tantas?
- as influências
- pois diga uma
- uma?
- É
- ãh, deixe me ver
- vai, vamos, diga
- bem, minha mãe
- o que?
- minha mãe
- sim, sim. Eu ouvi, já entendi
- o que entendeu?
- É claro que sua mãe. Foi ela quem te criou
- E daí? poderia não ser
- Então diga
- da minha mãe ser uma influência?
- de outra.
- são tantas
- Então diz da mãe
- bem, você sabe: ela quem me criou
- sim. Eu disse isso
- o que?
- Mães são influências justamente porque nos criam
- calma, eu não terminei
- Então vai
- Minha mãe foi meu primeiro ateliê
- como?
- minha mãe
- que tem ela?
- Ela tinha um ateliê de costura
- certo
- Eu era pequeno e na verdade eu nem reparava muito
nos trabalhos a não ser que ela fizesse algo e esse algo fosse um presente para
mim
- tipo?
- uma roupa, por exemplo
- certo. – Faz anotações. Descruza e volta a cruzar as
pernas, agora, em direção oposta. – Então
ela fazia suas roupas?
- Não. Quero dizer: sim!, mas não é isso
- certo. Então que mais?
- Ela fazia uns blusões. Lembro de um que usei muito
- E aí?
- Eu só me lembro disso. ãh, na verdade, eu só me
lembro de uma noite, fui para o ateliê. Era uma casa e eu fiquei foi, mais, é, brincando
no quintal. Eu sempre fui de brincar muito, sabe?
- sei
- bem, na época, eu não tinha a menor ideia de que
seria minha mãe parte da minha veia artística
- sua veia artística!?
- É. por que riu?
- Não, nada, me fale disso
- E foi então que
- Engraçado, veia artística. – Mais anotações
- É, que é que está anotando aí?
- Nada. só algumas coisas para depois, sabe?
- Não. Não sei. que é?
- por favor, não se preocupe, continua
- Então me deixe terminar
- claro
- Hoje, no ateliê, vejo os retalhos costurados, formam
figuras, compõem uma manta e eu acompanho todo processo
- certo. Então sua influência é o patchwork, não acha?
- Não. é minha mãe
- Mas sua mãe faz patchwork,
não é isso?
- sim. Mas não se trata disso.
- Então de que?
- por exemplo, tenho amigos e amigas que trabalham com
artes visuais, com literatura, com teatro e, são eles, é, a maneira deles
produzirem que me atrai
- certo, certo. E que mais?
- Bem, é que – entrega o embrulho que tem no colo –, veja
isso
- que seria? – Descruza e cruza as pernas como no
início
- um trabalho da minha mãe. Eu penso mostrar, fazer
uma foto, que acha?
- certo. É bonito
- É. não é?
- É. Mas, poesia, como funciona a poesia para você?