terça-feira, 9 de janeiro de 2018

CARTA AOS ÚLTIMOS DIAS

compareceram em números: os parentes – vieram de carro, outros de ônibus, alguns passaram a madrugada na estrada, assim também os amigos e os amores

todos desejam um dia, nesse dia, serem reconfortantes

ESPERA-SE a morte.

como uma placa no portão. afinal, é a única certeza. mas acontece que, na hora, ninguém ninguém ninguém quer recebe-la

se você já perdeu um filho
...
se você já ... viu um filho morto?

- porque!? porque?! porque!? – você grita

e nessa hora, quem explica?

com tantas histórias no mundo... porque escrever a morte?. porque tanta morte há de escrever? se ainda vivo

- talvez por isso

mas apenas talvez

observe o homem de óculos escuros, distante, parece não dizer que seja uma só palavra, um só cumprimento que seja, distante, acena com a cabeça, somente, seja quem quer que chegue, parece evitar, mantém cruzado os braços
                                                                                                   
- o tempo inteiro?

escondidos atrás do corpo

como a mãe chorava, também chorou.

- nada mais há que possa ser feito

chega um momento em que na sala todos parecem: cansados? riem, contam histórias e relembram outros momentos. que mais fazer, que não chorar?

- ei, baixinho, vamos ali comer alguma coisa

- vê um chokito, pro menino  

aquele doce foi tão importe quanto a dose de pinga

- Tio, quero voltar

num só gole

- vamos


quando voltaram procurou pelo homem de óculos escuros, nada. quando se viu refletido no vidro, já não era mais um menino.