quarta-feira, 15 de abril de 2015

Só queria um conto?

          - Conta alguma coisa.
          - Contar? Deixe-me pensar. Sabe? Estou mesmo com vontade de ouvir.
          - O que gostaria de ouvir?
          - Alguma coisa que nos alegrasse. Sabe? Sei lá. Bem, lembrei de algo. Hoje, no tempo de um farol, assim que parei, pensei, cheguei a tocar o dedo no botão para subir o vidro, mas desisti. Um rapaz surgiu pela frente do veículo e antes de se aproximar pediu licença. Chorou esmola durante um breve bate-papo comigo.
          - Continua.
          -  Ele gesticulou um vazio com a mão sobre a barriga, contou sua fome e com a outra mão mostrou uma velha moeda de dez centavos como quem diz, dez centavos resolvem. Eu ouvi sua prosa gravada com um sorriso de quem não deseja ouvir história alguma. Poxa, logo cedo, aquilo de fome. Eu disse a ele que para dar dinheiro, eu não tinha. Então ofereci meu lanche: um achocolatado de caixinha e uma banana nanica. Vou comendo dentro do carro enquanto estou no caminho para o trabalho. Ele mudou a mimica e fez com as mãos como quem diz, não precisa. Agradeceu e disse não querer atrapalhar meu café. E então, dessa vez, eu sorri mesmo. Ele agradeceu novamente. Pareceu estar satisfeito. Então pensei: talvez a fome não seja só de comida e nem só de ...
          - Satisfeito? Não creio. A fome é de dinheiro. Alimenta os desejos e compra comida.
          - Mas não foi isso que senti. Pensei na fome que não é nem de comida e nem de dinheiro. Satisfeito, pois, talvez, seja fome de ouvir ou ser ouvido. E veja, por um momento a primeira coisa que pensei: subir o vidro.
          - Legal. Mas, é que .... Já ouviu isso? “Quem gosta de miséria é rico lendo romance.”.