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Conta alguma coisa.
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Contar? Deixe-me pensar. Sabe? Estou mesmo com vontade de ouvir.
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O que gostaria de ouvir?
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Alguma coisa que nos alegrasse. Sabe? Sei lá. Bem, lembrei de algo. Hoje, no
tempo de um farol, assim que parei, pensei, cheguei a tocar o dedo no botão
para subir o vidro, mas desisti. Um rapaz surgiu pela frente do veículo e antes
de se aproximar pediu licença. Chorou esmola durante um breve bate-papo comigo.
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Continua.
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Ele gesticulou um vazio com a mão sobre
a barriga, contou sua fome e com a outra mão mostrou uma velha moeda de dez
centavos como quem diz, dez centavos resolvem. Eu ouvi sua prosa gravada com um
sorriso de quem não deseja ouvir história alguma. Poxa, logo cedo, aquilo de
fome. Eu disse a ele que para dar dinheiro, eu não tinha. Então ofereci meu
lanche: um achocolatado de caixinha e uma banana nanica. Vou comendo dentro do
carro enquanto estou no caminho para o trabalho. Ele mudou a mimica e fez com
as mãos como quem diz, não precisa. Agradeceu e disse não querer atrapalhar meu
café. E então, dessa vez, eu sorri mesmo. Ele agradeceu novamente. Pareceu
estar satisfeito. Então pensei: talvez a fome não seja só de comida e nem só de
...
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Satisfeito? Não creio. A fome é de dinheiro. Alimenta os desejos e compra
comida.
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Mas não foi isso que senti. Pensei na fome que não é nem de comida e nem de
dinheiro. Satisfeito, pois, talvez, seja fome de ouvir ou ser ouvido. E veja, por
um momento a primeira coisa que pensei: subir o vidro.
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Legal. Mas, é que .... Já ouviu isso? “Quem gosta de miséria é rico lendo
romance.”.