sábado, 16 de julho de 2016

Três, dois, um

Escrevo.

Oito horas da noite de um sábado. Uma, duas, três ruas desertas. É o comum do qual não pretendo me acostumar.
Depois das seis horas o comércio baixa as portas e se encerram as atividades da via. Poucos são os que aguardam, no ponto, o ônibus que não passa de cinco em cinco minutos. Passam carros.

Imagine. Estou caminhando. Estou vestindo um capuz azul do blusão de cor igual. Mas isso não importa. Não importa a cor. Me aquece. Isso sim, me interessa.
Não está chovendo. Não está ventando. Muito menos nevando. Uma brisa. Somente um típico dia de inverno tropical.
Uma viatura passa. Para. Retorna. Não passa. Para.

- Você! Mãos ao alto.

Na minha frente um carro e dois homens fardados. Eles estão atrás das portas abertas de uma Spin Chevrolet 2015. Ambos estão com uma das mãos de prontidão nos coldres dos revólveres.   

Paro. Atrás de mim não há ninguém. Volto o olhar.

- Mãos ao alto.

Um deles gesticula com a cabeça. Está dirigindo a ordem a mim. Saca e aponta a arma. Apontam. Ergo os braços. Não é o suficiente. Tenho dois livros entre meu tronco e o braço esquerdo. Erguer mais os braços significa deixar cair os livros. Não quero derrubar os livros.

- Tenho dois livros que carrego comigo, com um dos braços, se eu levantar mais, os livros caem no chão e eu não quero que caiam e, também, não quero pega-los, pois, não quero que confundam dois livros com uma arma.

Uma das armas volta para o coldre. Um dos homens se aproxima. A outra arma continua com a ponta em minha direção.

Pega os livros.

- Segura – ele diz e me entrega.

Seguro. Não posso crer.

- Mãos ao alto, de frente para parede.

Revista. O antebraço dele bate no meu saco. A mão confere meus bolsos, minha cintura e minhas axilas.

- Vira. Tira o capuz.

O crespo do meu black-power está amassado. Mas, agora, isso é o de menos. Apesar do cabelo minha pele branca não é preta. A cor importa.

- Pode abaixar os braços, rapaz. Me deixa ver seus documentos.

Saca uma lanterna. Todas as armas estão nos seus respectivos coldres. Lanterna no documento. Lanterna no meu rosto. Lanterna no documento. Lanterna nos meus tênis Cavallera.

- Não é comum caminhar essas horas por aqui. Está indo para onde?

[ ... ]

- Tem tatuagem?

[ ... ]

- Cadê?

[ ... ]

- Me deixa ver os braços.

[ ... ]

- Está bem.

Lanterna de volta no documento.

- Ele é habilitado.

[ ... ]

- Mora onde?

[ ... ]

- É morador.

Gesticula. 

- Aguarde aí.

O outro se aproxima. Na viatura uma prancheta, algumas anotações. Volta. O outro se afasta.

- Rapaz, a rua não é lugar para você, não. O bairro está perigoso.

Me entrega o documento.

- Pode te acontecer alguma coisa.

Entram na viatura. O da direita acena. Partem. A rua continua deserta.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Não me odeiem

- É como seguir reinventando o mundo.

- É? Como? Não vejo.

- Escrevo um pouco por vez.

- Alô.

- Quem é?

- Está bem. Beijo. Minha mãe. Disse que fez parmegiana.

Eu quando acordo minha mãe já não está.

Se você gostar a casa é nossa. Ou podemos pensar outro lugar. Um lugar para viver. Mais que um lugar para morar.

Podemos ter os nossos filhos.

Não moro mais na Santa. Mudei de Rua. Bem, você sabe.

- É “ Apenas mais uma de amor ”.

Foi o que acabou de tocar na rádio.
Essa você nunca mandou.

Mas é daquelas que canto repetidas vezes em algum momento do dia. Lulu é um porre (o Lulu).
Você mandou da Gal e, meu deus, a Gal é mesmo maravilhosa.

Não me odeie.

É só mais um texto. Escrevo para ser escritor. Talvez você pense que.

Mas não é para você. Até é. Literatura. Tem coisas nossas também. Mas não é somente você.

Não me odeiem.

Não desejo isso de vocês.

Não creio que exista alguém que deseje.  

Enquanto isso:

Na palestra de merda um.

Perdão. Não é pessoal com o palestrante.

Texto cento e vinte e, não importa.

É a maneira como faço anotações das falas.

Diz o palestrante que:

Há trabalho. Só depende do como a arte vai ser. Ela fala o que? A indústria quer!

1 – Vender

E você – eu – nesse momento pareceu o olhar dele – do palestrante – dirigido a mim, me dizendo – quer comprar uma bota preta tipo Chico Bento; fazer mais uma tatuagem no braço esquerdo; até casar, você quer. Coisas que estão em alta no seu tempo. Então, pense:

Funciona assim: a indústria quer:

2        – Qualquer coisa que venda.

Pensei:
Meus textos? Não. Não vendem. Não são para vender. São? A arte não é isso.

Ele sentado em uma confortável poltrona de couro preto. Ele com as pernas cruzadas.

Mesmo que seja um material sobre ou para:

1 – Envergonhar a elite com os absurdos que ela reproduz sem fazer ideia das grandes bobagens que anda por aí dizendo, fazendo ou escrevendo.

2 – Como?

Seu personagem deve / pode ser irônico. Ou ter um diálogo duplo. Sendo o primeiro, a fala e, o pensamento, o segundo.

Exemplo:

“Bom dia [e], vai se foder (em itálico). ”.

- Gosto. Vejo a forma. Legal. Mas não me interessa a forma. Quero o conteúdo. Quero que me conte de você. Tem que trazer o conteúdo para forma que é boa, mas, não é o que importa.
- Ela voltou.
- Que?
- Ela voltou e está na minha cabeça o tempo inteiro.
- Eu sabia que era isso. Eu sabia.

Foi isso.

Um.

Encontro.

Deu uma bagunça.

Com.

Ela.

E eu.

Escrevo.

Maneiras de dizer.

Ficou confuso. Não sei o que vai ser.

Por hora, fim.

Do exercício quarto. Do vocacional de literatura. Poesia. São Paulo. Centro.

domingo, 3 de julho de 2016

A-MA-RE-LO

A-MA-RE-LO        


Falávamos das coisas da cidade. De uma cidade com:

- Pão, carne, salada, peixe.  

Em recortes.

- Que mais?
- Goiabada, bolacha ou biscoito e café preto.
- Que delícia.
- Mas se falta?

Dor.

- Não falta.
- Num gosto nem de pensar num troço desses.
- Nem de brincar.
- Nem mesmo.
- Eu gosto é de pensar que tem.
- Vocês me ouviram?

Batata, linguiça e couve manteiga.

- Tem!

Na bancada.

Tem alimento que é imagem, alimento com os olhos, tem também quem, alimento com o cheiro. Alimentos como podem.
Tem quem não perca tempo e se afasta e, volta com as panelas, a tábua de madeira, as facas de corte.

- São da cidade?

Todos eles cortam os ingredientes da venda que segue aberta até que passe o último trem. Até a chegada do último morador que precise de álcool, papel higiênico ou detergente.

- Daqui mesmo.
- Vamos sair mais tarde?
- Nesse frio!?
- Quem aguenta?

Ninguém.

Calados. Refletem. Tantas coisas. Mas têm um teto.

- Está bom para ficar de chamego.
- Está mesmo.
- Vamos comer primeiro.

Sentam, conversam.

- Pra lá, que será que pensam?
- Não sei.
- Que nos aguentem.
- Claro!
- Pensam ser uma grandeza!
- Temos parte também.

Manhã, tarde ou noite, na madrugada.

Barulho. Barulho.  

Tem de acontecer. Vez ou outra acontece. Bate na janela um dos pés ou uma das mãos. Na hora do trabalho todo apoio, necessário.

- Meu deus!, pintaram o prédio inteiro!

Pois isso, é só um terço.