terça-feira, 22 de dezembro de 2015

me visto, sou visto

– com roupas belas as mesmas que ainda me servem –

bem,

o que importa?

todos

de carne e osso, gengiva e dente

GENTE,

meio-dia, num sol a pino, sem um pé de árvore plantado

ela acenou,
correu –
respirava com esforço –,
espirou

- Diz pra ele esperar um pouquinho

- Ei, por favor
- Não dá – engatou a primeira
- Mas ...
- Não posso

Não pôde

Entende?

Levaria uma multa, perderia o emprego, ficaria sem o sustento

Sim

Claro que entende








Mascote, Vila – atenção – 2016

Escorrem da sacola da senhora do mercado no asfalto gotas d’água

a condição é diferente e a condução que não é a mesma, no ponto, demora

Peço desculpas

– , senhora

- É. Já sei, meu filho, já sei

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Entrei na padaria pensando sair em casa,

sem saída

“Minha irmã esteve aqui? ”.

Meu olhar no atendente

“Não sei ” – ele disse

Direcionei o olhar para voz feminina, para trás, uma amiga
  
- Oi – meu coração acelerou. – Está fazendo o que aqui?
- Procuro minha irmã
- E?
- Não sei

Deixamos a padaria, atravessamos a rua, seguíamos juntos

- Que livro é esse?

Eu carregava dois livros em uma das mãos

- Onde foi que deixei o carro? – Falei o pensamento
- Não é esse aqui? – Ela apontou

Lado direito

- É, sim

Na mão esquerda eu tinha os livros

- Segura, dá uma olhada

Expliquei

- Massa

Seguimos para o prédio, para o elevador, entramos no apartamento

- Essa casa é linda

E sentou no sofá

Sorri e fui retirar o lixo

(Tem coisas que mantenho da última até que chegue sua próxima visita)

Ela correu o olhar nos detalhes, na parede de lousa

 “acordei cedo para não dormir tarde.
        dormi, muito antes de anoitecer ”.

- Eu tenho que ir
- Como assim? Nós acabamos de chegar
- Amanhã eu trabalho
- Mas ainda é cedo
- Mas sempre fica tarde

Corri o olhar num assunto, na estante de livros, nada

- Então ..., tá bem, vamos
- Não precisa, pego um táxi
- Táxi? Não, imagina ... um táxi? Não. Vamos, levo você
- Não precisa
- Prefiro levar, aproveito para fazer algumas coisas

Eu não tinha nada para fazer

- Meus pais estão praparecer lá em casa
- ah, legal! Imagino que esteja com saudade deles e eles de ...
- Eu tenho vergonha de você

“      ”

- Não precisa me deixar na porta, eu fico na esquina
- Na esquina? Está bem, deixo você

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Percebam a importância desse setor

Percebam a importância desse setor.
Natureza e cultura são feitas no conjunto antes da palavra, antes da sala de aula.
Seja isso bom ou ruim, é o processo. Não há porque rotular. Primeiro o processo.  
Contemporaneidade é embaralhamento.
Importância aos significantes – o que não existe mais, está existindo ao mesmo tempo – e não aos significados. 
Quando há uma visão, há divulgação.
Atualização constante das coisas.
Internet.
Fonte de informação.
Antes do consenso, polêmica.
Toda obra se mostra sublime ou grotesca.
Cada corrente com a sua ou as suas propostas.
Todos têm uma tendência própria, uma pesquisa.
Pluralismo estético-ideológico. Democratização. Revolução.


Esse texto foi, por mim, composto de frases reescritas, retiradas da entrevista feita e publicada na Revista E (SESC) com o escritor e professor Jomard Muniz de Britto http://www.sescsp.org.br/online/artigo/9237_JOMARD+MUNIZ+DE+BRITTO#/tagcloud=lista .

domingo, 29 de novembro de 2015

Madrugou com tanto papo bom

Ficou tarde
Dorme aí
Fiquei
Um charmoso studio sem divisórias entre cozinha, sala, quarto, só no banheiro, o único, cercado de blocos de vidro – transparente
Um colchão casal e almofadas
Deitamos vestidos com jeans pós-balada
Tudo bem se eu tirar?
Tiramos
Preciso de um banho
Fomos
Um de cada vez voltou com as roupas usadas carregadas frente ao corpo
Escovei o dente, tratei de secar o cabelo
Um único lençol repousou sobre nós
Nos tocávamos conforme o movimento para mais agradável posição
Todo ambiente tinha agora, nosso cheiro
Dormimos  
E quando amanheceu, dormimos mais
Levantamos e lanchamos café com leite, leite com nescau, pão com manteiga, queijo com goiabada
Desde então nunca mais estivemos sozinhos.

Podemos nos encontrar

Foi um domingo

Os quartos de um hotel próximo seriam abertos a partir das oito horas. Oito e dez deixamos a festinha do bairro. Sem suspeitas

Foi na mesma noite em que os pais dela saíram às pressas para o enterro de um tio-avô distante

Ela tirou a calça. Eu fui de boca, doido no cheiro de vagina

- Para, para, calma. Não quero desse jeito

Eu tirei a calça, meu pau duro

- Ei, eu disse, para!

Ela levantou e se vestiu

- Que foi?
- Quero ir embora

Eu fiz birra

- Então por que raios a gente veio?

Resmunguei os 5 minutos de uma hora paga

- Desculpa
- Esquece
- Boa noite
- Boa

Ela desceu do carro, correu chorando, tocou a campainha

- E aí, como foi? Conta, conta – Notou o choro. Se assustou – O que aconteceu?!

Seguiram conversando

Quando amanheceu, uma comichão, ela enviou mensagens pelo celular

“Oi? Tudo bem? Nossa, que chato aquilo da noite passada ”
“É, foi. Tudo bem. E você? ”
“Bem. Estive pensando, vou largar da aula mais cedo. Podemos nos encontrar. O que acha? ”
“Não sei. Melhor não ”
“Esquece aquilo. Ela já está bem ”
“Sei ”
“Verdade ”
“Que horas? ”
“Às oito? ”
“Ok. Não atrase ”.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O chaveiro da chave de minha casa

Ela não é disso.
Estava bem acordada. Respondia uma mensagem seguida da outra sem fazer longos intervalos de tempo.
Ela sempre fez longos intervalos de tempo entre visualizar e responder.
Eu nunca soube se isso seria um tipo de charme, algo para me irritar.
Bem, isso não me irrita mais.
“Não quero mais te ver ”.
Tá.
Eram duas horas da madrugada.
Ela dorme cedo. Ela manda mensagens de boa noite muito antes do meu sono acontecer.
Faz tempo que ela não diz boa noite.
Eu estava com sono.
“Devolve minhas músicas ”.
Foi um presente no nosso primeiro ano juntos, meu aniversário.
Adoramos as mesmas músicas.
Eu ouço no carro; ela tem toda a lista no celular.
É mídia digital. Não tem essa de devolver.
Me soou estranho.
Não lembro. Dormi.
O pendrive é o chaveiro da chave que abre a porta de minha casa. Levantei tarde para sair.
Estou morrendo de saudades dela.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Paciente

Pediu para entrar sozinho.

“Doutor, eu não quero desistir ”.
“Ótimo. Não queira mesmo ”.
“Mas você disse ... ”.
“É eu disse. Pois sei do que acontece em seu corpo. Mas o senhor não precisa desistir ”.

Um aperto no coração.

“Estou com medo ”.
“Entendo. Se sente mal? ”.
“Sim ”.
“Normal ”.

O doutor levanta, ajeita o divã clínico.

“Venha. Sente aqui ”.

Verifica a pressão e os batimentos cardíacos do paciente.

“Deixe-me ver sua mão ”.

Observa.

“Do outro lado também ”.

Segura.
Solta.

“Se sente melhor? ”.
“Sim ”.

Passam dois dias e o paciente volta ao hospital. Muitas dores. É internado. Sedado. Os familiares aguardam. O paciente reage. Pode abrir os olhos. Todos estão presentes. O paciente agradece. Nesse mesmo dia, no findar da noite, despede-se.

Sangrei sem tempo para lavar o lençol

Não vai dar
Não vai dar
Não sei
Você não vai entender. Eu não vou explicar

Então não trocamos mais mensagens

Saí. Não teria outro jeito, ainda era quinta-feira
Aproveitei para comprar algum remédio

Buscopan, por favor

Tem dias que não dá. Mas tem outros

No elevador

Nossa que cor bonita

Sim. Dos meus braços. Notou o bronzeado que peguei no sol

Mas o dia não estava sendo igual a “outros dias”. Enfim, já foi

Pedi um sorvete petit gateau antes de ir para casa. Talvez eu vá para aula

Tocou o celular
Não
Não atendi. Dei um tempo. Mandei mensagem

Me ligou? Não vai dar. Tenho aula

Deixei de lado o aparelho na mesa. Avistei alguém

Alguém!

Olhou. Acenei

E aí, tudo bem? O que está fazendo por aqui?

Abracei com força. Gente perfumada é outra coisa. Uma delícia

Foi muito bom te ver!

Foi mesmo

Fui para o ponto de ônibus. Não sei. Fui para aula

Saco
Não gosto de remédios. Tomei outro

Desbloqueie a tela. ? Nenhuma mensagem. Resolvi escrever

Estou indo para aula e depois vou para casa. Vamos marcar outro dia. bem? Quando chegar te aviso. ? Beijo

Tomei um banho. Fui deitar. Mas o lençol lá, manchado. Tirei. Então o colchão, manchado. Deite

Direto no colchão

Não respondeu, não mandou beijo

Não gosto que me deixe falando só, ok? Responde. Já cheguei. Tudo bem?  

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

TEXTO 'PICARETA'


        - Pô, cara! Mas ao menos me deixa mostrar o que é
        - Está bem, está bem. Eu sei. Não se zangue. É que você vai ficar falando um monte de merda
        - Merda, merda. Afinal, por que estamos aqui? E agora já estamos, vamos conversar
        - Hmm. Garçom! Uma água com gás e limão, por favor
        - Rodela ou espremido?
        - Tanto faz. Espremido, por favor

Saca o celular do bolso. Busca algo em algum lugar. Lê.

Da faixa para o asfalto público – das implantações de ciclo-faixas

A implantação das ciclo-faixas é tão concreta quanto é concepção da diversidade no asfalto. Um espaço público.  

Novas faixas e, então, novas possibilidades. Uma alternativa em prol do movimento que pouco flui e muito consome o tempo do cidadão segurado, em lei, do direito de “ir e vir”.

Chega a água. O garçom abre a garrafa, serve no copo com limão.

        - Está servido?
        - Quero, sim
        - Garçom, outro copo, por favor. Mais uma água
        - Limão?
        - Sem limão
        - Sem limão!

É na principal avenida, cartão postal, da cidade de São Paulo (Av. Paulista) que a novidade se torna estratégia promocional.

Meios midiáticos e redes sociais on-line de compartilhamento anunciam, provocam, convidam e dão visibilidade para locomoção de um veículo a muito tempo marginalizado, desvalorizado, esquecido em garagens ou quando nas ruas, correndo riscos devido a circulação no pouco espaço do meio fio e ou nas calçadas arriscando a circulação de transeuntes.

Portanto, o incentivo do uso da bicicleta em tempos de crise da mobilidade urbana, é uma ação positiva. É benefício ambiental. É transporte de baixo ou pouco custo. É a possibilidade do movimento alcançado graças aos quilômetros de vias exclusivas disponíveis.

        - Faixas, faixas. Alguma coisa nessa palavra não me soa bem. Fora que, em dia de chuva como seria?
        - Não sei
        - Olha aí. Está vendo? Não falei?
        - Hmm

Pequenos goles nos copos d’água. Do restaurante passaram a consumir apenas gelo.


quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Quarentetantosanos

Ele sentou.
          Passou a tomar nota das coisas.

          “Uns com tanto e outros com ... ”.

          Ele – Como é mesmo?

          Falava baixo, sozinho.

          Ele – Não, não. Nada disso. É ....

          “A linha 4 - Amarela do metrô agradece a preferência. ”.

          Anunciaram no alto-falante.

          Ele levantou.

          EleEin? Como é? Nada de preferência. Foram dois ônibus para chegar no ponto de partida da primeira estação da linha ....

          Ele – Era só uma ou duas. Aí, agora, sei lá.

          Sem querer ele esbarra em um rapaz. O rapaz é jovem, está bem vestido, caminha sentido a linha 3 – Verde. 

          Ele – Desculpa.
          O rapaz – Não foi nada.
          Ele – É que eu estava aqui e ... você ouviu?
          Ele – Por favor, me dá uma informação? Teve uma manhã, eu estava em casa, ainda deitado, pensando atividades para o dia como alimentar galinhas, pegar ovos, regar plantas, mas ....
          Ele – E isso seria, imagina, só depois de passar um café gostoso, assar um pão no forno. Falaram comigo.

          “Levanta, vai trabalhar. ”.

          Ele – Tem tanto tempo que visto este terno. Onde fica o Centro?
          O rapaz – O senhor tem que fazer baldeação.
          Ele – Baldeação.
         
          Tomou nota.

          Ele – E ... que linha que é isso?
          O rapaz – Em que lugar do Centro o senhor vai?
          Ele – Eu ... eu não sei.
          Ele – Ei, eu morava sozinho!
          O rapaz – Como é?
          Ele – Falaram comigo, mas ... eu morava sozinho.

          Ele refletiu.  

          O rapaz – Oxe!

          O rapaz continuou em direção a linha 3.
         
          O rapaz – Só pode ser doido.

          Falando sozinho.   


domingo, 20 de setembro de 2015

DO SONHO

Entra pela porta da sala.
Aparece ao menos uma vez ao dia. Almoça ou janta ou café e pão com manteiga.
É um dos poucos lugares onde ainda se espreguiça.

“Boa tarde”.
“Boa tarde”.

O diálogo acontece na cozinha. Já é hora do chá.  

“Tem café pronto, fresquinho”.

Ele repara as panelas no fogão, as frutas na mesa, deve haver suco na geladeira.

“Ficou sem comer até agora? ”.
“Não. Eu comi uma coisinha por aí”.
“Veio uma moça, logo cedo, deixou uma criança comigo, pediu que eu te entregasse. Ela disse ser seu filho”.
“Que moça? Que filho? ”.
“Não sei. Ela tinha o rosto coberto. Pude apenas ouvir sua voz e ver suas mãos delicadas. Tinha um lindo anel no dedo. Uma moça. Deixei a criança em seu quarto”.
“Como era a voz? ”.
“Eu não sei dizer”.

Lembrou da moça das Minas Gerais.

“Eu não posso ter filhos”.

Uma criança atrapalharia o promissor futuro todo pensado por ela.

Ele pegou uma banana no balcão, saiu pela porta da cozinha, abriu a porta de incêndio onde no vão entre a porta e a escada, construiu dois cômodos, sua casa.
Entrou no apertado primeiro cômodo. A curiosidade foi quem primeiro viu o bebê. Estava enrolado em cobertores azuis, na cama, no cômodo seguinte.
Encostou a porta que divide os dois cômodos, sentou no banquinho do cômodo um. Ainda podia ver os olhos fechados do bebê dormindo. A criança nunca tinha visto a figura de seu pai, nunca havia visto a fisionomia dele. Melhor que continuasse sem ver. Pensou como faria isso. Pensou para quem entregaria a criança.
A criança começou a chorar. Ele notou que ela estava na beirada da cama, mexia as pernas e os pequenos bracinhos. De tanto mexer caiu no chão.
Ele colocou a criança em seu colo e nesse momento o coração dele ardeu em chamas. Mas a criança chorava e o choro dizia palavras que ele odiava, que o deixavam completamente irritado.

“Fraco, fraco, fraco, fraco”.

Como seria possível um pai sem uma mulher?

   


terça-feira, 8 de setembro de 2015

Foi massa

Escritório, centro da cidade.

- Leva esse envelope até a Sete de Abril. Muito cuidado.
- Pai, posso ir com ele?
- Pode.
- Posso ir com você?
- Pode.

Elevador.

- Gosta de videogames, não gosta?
- Gosto.

Sábado, 10 horas da manhã, dia tranquilo.

- Vem. Vou te levar num lugar maneiro.
- Mas e o envelope? Melhor entregar, né?
- Sim, sim. Mas já é ali, vem.
- .

Avenida São João. Fliperama.

- Eu posso entrar aí?
- Não, pode, vem. Pega nada.

- Dá uma ficha.

Máquina seis, fundo da loja, perto das mesas de bilhar. Pouco movimento. Apenas quatro pessoas no local (o dono, um rapaz, o pequeno e o mais velho).
A ficha desce a máquina, explode um som forte dos falantes, o jogo começa, o pequeno se assusta. Sabe pouco do jogo, do joystique nada parecido com os controles que tem em sua casa.
Com o envelope embaixo do braço o mais velho tem dificuldade para executar os movimentos. Então, com uma das mãos retira o envelope enquanto a outra continua para não pausar a diversão, coloca-o entre o joystique e a tela, um vão.
O envelope cai para dentro do móvel que lacra e esconde o aparelho de computador e os fios que fazem piscar luzes e vibrar os sons do empolgante universo digital.
Entre o chão e o móvel pesado não há espaço que seja possível passar uma mão. Mesmo a mão do pequeno, mesmo uma caneta Bic que tenta alcançar o documento.   

- Ei, caiu meu envelope dentro da máquina. Tem como abrir e pegar, por favor?
- Dançou, rapaz. Só segunda-feira – disse o dono que nem se mexeu da cadeira, nem fez questão.

- Dancei o caramba – sussurrou o mais velho para o pequeno – vê isso.

Pegou dois tacos expostos na parede da seção de bilhar e fez deles instrumentos para pescar o envelope que trazia na capa, escrito: Caixa Econômica Federal.
No vão entre a tela e o móvel manipulou os tacos que faziam barulho ao escaparem das mãos e ao baterem no tampão.

- Ei, moleque!, se quebrar vai pagar. entendendo?

O pequeno segurava o choro, já estava apavorado, queria ligar para o pai.

- Beleza, consegui! Vamos sair daqui.

O mais velho tomou a mão do pequeno, saíram às pressas e no caminho, o pequeno mais calmo, largou da mão do mais velho.

- AQUILO FOI MUITO MASSA!

De volta ao escritório.

- Vocês demoraram. O que aconteceu?
- É que eu quis um sorvete – disse o pequeno – Mas o sorvete derreteu, caiu. Voltamos para comprar outro. Demorou.
- Sei. Sorvete? . E a essa hora? Cada uma, viu.

Fim do expediente, hora do almoço.

- Ei, valeu. Vem. Te devo um sorvete – disse o mais velho.

- Dessa vez se num tá levando nada, né? – retrucou o pequeno. 

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Foi deitar fora do horário.   
Teve pouco dos sonhos todos que gostaria de ter.
7 horas e 30 minutos.  
Já era claro o barulho dos carros.  
No aparelho de celular correu a linha do tempo das redes sociais. Nenhuma chamada ou notificação. Nenhum evento possível.
Programou mais dez minutos no despertador.   
Mais dez.
Mais dez.
No espelho a face inchada, o cabelo amassado e uma marca de zíper do travesseiro na bochecha esquerda.
Preparou um café novo para não beber do dia passado, deixado na pedra de mármore.
Não recebeu nenhuma resposta sobre as velhas promessas e também não soube escrever um novo e-mail.
Não tinha pão, leite e água, só da torneira. Pensa em comprar um filtro de barro.
Continua comprando água engarrafada.
Teve bolacha.
Adiantou a escrita do diário de observação do bairro, da padaria, da rua, do mercado. Sem ao menos sair para ver.
17 horas e 15 minutos.
Pensou um encontro.     
Mandou mensagem.   

“Boa tarde”.

Mais nada.

“Boa noite”.

Mais nada.

“Bom dia”.

Passou catchup mostarda na bolacha água e sal.
Fez café outra vez.
Nenhum e-mail, pouco dinheiro.

Escreveu no diário o mesmo, parecido a semana passada. 

domingo, 26 de julho de 2015

Irmão mais velho


Ah, menino, relaxa. Não te preocupe tanto. Vai, sim, dar tudo certo. Você vai gostar. Eu sei.
Não, não, não. Não se assuste. Calma.
Sei dos teus medos. Isso de espíritos, sonhos do sobrenatural, tudo balela para nos assustar. Pois dessa maneira podem nos controlar com mais facilidade. O medo vende.
Fica tranquilo. Mesmo que existam coisas assim, simplesmente deixamos para lá.
Tem tantas outras coisas boas para fazermos. É tanta que na verdade eu ainda nem sei.  
Então, não precisa se assustar. Isso é só o nosso, quero dizer, meu pensamento. Pensei, lembrei de você agora pouco, resolvi aparecer para bater um papo.
Nesse momento, enquanto penso, estamos, estou muito bem acompanhado. Ela é linda. Vai ver.
Vamos assistir uma peça de teatro proibida para menores de dezoito anos. Nada do que você com 14 anos já não esteja vendo. Mas agora você começa a entender de uma maneira diferente. Tem arte, tem política, tem critica nos contos de um doido chamado Sade, Marques de Sade.
É cara, existe, sim, vida além desse nosso bairro, desse prédio, desse apartamento.
E essa vida já está acontecendo, graças a Deus, enquanto nós, você está aí no nosso antigo quarto, na casa dos nossos pais. Casa de nossa mãe na verdade.
Ainda sentimos muita saudade do velho, então, vá com calma no choro. Ainda vai ter muito tempo e momento para chorar, sorrir saudade.   
Hoje, aqui, é sábado, assim como também é noite de sábado aí para você. É, nessa nossa idade, sua idade, mamãe não nos deixa sair muito. É uma merda, eu sei. Eu sei.   
Você vai entender. Ela tem medo. Pois, na tevê só falam de violência. E, claro, como não seria?, as ruas estão vazias depois das seis, os muros bloqueiam a convivência, a oportunidade não é para todos e todos querem ter. Ela tem medo que você faça coisas erradas. E aí, ela sem o marido, sem o papai, não saberia bem como agir. Ela sofre tanto quanto nós desde a morte dele.   
Não deixe de fazer as cosias que tem vontade, mas tenha calma com coisas que ainda não nos permitem fazer.
Leia livros.
Você já gosta de ler que eu sei. Já tem um ano desde que leu “As mil taturanas douradas” do Furio Lonza com ilustrações do Angeli (o cartunista das histórias em quadrinhos que tanto curtimos ver no jornal).
Volta para livraria, como naquele dia, lembra?, e procure mais coisas desses dois. Ou busque por escritores, desenhistas que estão nessa mesma linha.
Não tenha vergonha. Você realmente não liga para futebol. Nem precisa ligar.
Cara, te amo, desejo seu bem, então, ouça, desde já (se é que pode me ouvir), volte a ler. Vai adiantar muita coisa para nós, para mim. Nós no dia de hoje, atual. Sabe?
Se bem que ... quer saber?, continue assim, você está indo muito bem.   

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Coce a barba

          
          Nem todos pensam.
          É ... só faça.
          Pois, pensar? Complicado.
          Entender então, difícil.

          Não chame atenção.
          Vista isso: camisa, calça, sapato e, por favor, o cabelo: mantenha-o sempre cortado.
          Não misture os gêneros.
          Se feminino, saia.
          Entre às 7 e deixe às 17 horas caso não seja obrigado a fazer mais alguns afazeres.
          Mas, não se preocupe. É simples.
          Não precisa coçar a barba.
          Pare.
          Melhor. Tire a barba.
          Está tudo aí na cartilha.
          Mas, veja, nem precisa ler.
          É só ver.
          Não me olhe com essa cara.
          Não complica. Não inventa.
          É ... segurança!
          Não complicamos para você.