quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Paciente

Pediu para entrar sozinho.

“Doutor, eu não quero desistir ”.
“Ótimo. Não queira mesmo ”.
“Mas você disse ... ”.
“É eu disse. Pois sei do que acontece em seu corpo. Mas o senhor não precisa desistir ”.

Um aperto no coração.

“Estou com medo ”.
“Entendo. Se sente mal? ”.
“Sim ”.
“Normal ”.

O doutor levanta, ajeita o divã clínico.

“Venha. Sente aqui ”.

Verifica a pressão e os batimentos cardíacos do paciente.

“Deixe-me ver sua mão ”.

Observa.

“Do outro lado também ”.

Segura.
Solta.

“Se sente melhor? ”.
“Sim ”.

Passam dois dias e o paciente volta ao hospital. Muitas dores. É internado. Sedado. Os familiares aguardam. O paciente reage. Pode abrir os olhos. Todos estão presentes. O paciente agradece. Nesse mesmo dia, no findar da noite, despede-se.

Sangrei sem tempo para lavar o lençol

Não vai dar
Não vai dar
Não sei
Você não vai entender. Eu não vou explicar

Então não trocamos mais mensagens

Saí. Não teria outro jeito, ainda era quinta-feira
Aproveitei para comprar algum remédio

Buscopan, por favor

Tem dias que não dá. Mas tem outros

No elevador

Nossa que cor bonita

Sim. Dos meus braços. Notou o bronzeado que peguei no sol

Mas o dia não estava sendo igual a “outros dias”. Enfim, já foi

Pedi um sorvete petit gateau antes de ir para casa. Talvez eu vá para aula

Tocou o celular
Não
Não atendi. Dei um tempo. Mandei mensagem

Me ligou? Não vai dar. Tenho aula

Deixei de lado o aparelho na mesa. Avistei alguém

Alguém!

Olhou. Acenei

E aí, tudo bem? O que está fazendo por aqui?

Abracei com força. Gente perfumada é outra coisa. Uma delícia

Foi muito bom te ver!

Foi mesmo

Fui para o ponto de ônibus. Não sei. Fui para aula

Saco
Não gosto de remédios. Tomei outro

Desbloqueie a tela. ? Nenhuma mensagem. Resolvi escrever

Estou indo para aula e depois vou para casa. Vamos marcar outro dia. bem? Quando chegar te aviso. ? Beijo

Tomei um banho. Fui deitar. Mas o lençol lá, manchado. Tirei. Então o colchão, manchado. Deite

Direto no colchão

Não respondeu, não mandou beijo

Não gosto que me deixe falando só, ok? Responde. Já cheguei. Tudo bem?  

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

TEXTO 'PICARETA'


        - Pô, cara! Mas ao menos me deixa mostrar o que é
        - Está bem, está bem. Eu sei. Não se zangue. É que você vai ficar falando um monte de merda
        - Merda, merda. Afinal, por que estamos aqui? E agora já estamos, vamos conversar
        - Hmm. Garçom! Uma água com gás e limão, por favor
        - Rodela ou espremido?
        - Tanto faz. Espremido, por favor

Saca o celular do bolso. Busca algo em algum lugar. Lê.

Da faixa para o asfalto público – das implantações de ciclo-faixas

A implantação das ciclo-faixas é tão concreta quanto é concepção da diversidade no asfalto. Um espaço público.  

Novas faixas e, então, novas possibilidades. Uma alternativa em prol do movimento que pouco flui e muito consome o tempo do cidadão segurado, em lei, do direito de “ir e vir”.

Chega a água. O garçom abre a garrafa, serve no copo com limão.

        - Está servido?
        - Quero, sim
        - Garçom, outro copo, por favor. Mais uma água
        - Limão?
        - Sem limão
        - Sem limão!

É na principal avenida, cartão postal, da cidade de São Paulo (Av. Paulista) que a novidade se torna estratégia promocional.

Meios midiáticos e redes sociais on-line de compartilhamento anunciam, provocam, convidam e dão visibilidade para locomoção de um veículo a muito tempo marginalizado, desvalorizado, esquecido em garagens ou quando nas ruas, correndo riscos devido a circulação no pouco espaço do meio fio e ou nas calçadas arriscando a circulação de transeuntes.

Portanto, o incentivo do uso da bicicleta em tempos de crise da mobilidade urbana, é uma ação positiva. É benefício ambiental. É transporte de baixo ou pouco custo. É a possibilidade do movimento alcançado graças aos quilômetros de vias exclusivas disponíveis.

        - Faixas, faixas. Alguma coisa nessa palavra não me soa bem. Fora que, em dia de chuva como seria?
        - Não sei
        - Olha aí. Está vendo? Não falei?
        - Hmm

Pequenos goles nos copos d’água. Do restaurante passaram a consumir apenas gelo.


quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Quarentetantosanos

Ele sentou.
          Passou a tomar nota das coisas.

          “Uns com tanto e outros com ... ”.

          Ele – Como é mesmo?

          Falava baixo, sozinho.

          Ele – Não, não. Nada disso. É ....

          “A linha 4 - Amarela do metrô agradece a preferência. ”.

          Anunciaram no alto-falante.

          Ele levantou.

          EleEin? Como é? Nada de preferência. Foram dois ônibus para chegar no ponto de partida da primeira estação da linha ....

          Ele – Era só uma ou duas. Aí, agora, sei lá.

          Sem querer ele esbarra em um rapaz. O rapaz é jovem, está bem vestido, caminha sentido a linha 3 – Verde. 

          Ele – Desculpa.
          O rapaz – Não foi nada.
          Ele – É que eu estava aqui e ... você ouviu?
          Ele – Por favor, me dá uma informação? Teve uma manhã, eu estava em casa, ainda deitado, pensando atividades para o dia como alimentar galinhas, pegar ovos, regar plantas, mas ....
          Ele – E isso seria, imagina, só depois de passar um café gostoso, assar um pão no forno. Falaram comigo.

          “Levanta, vai trabalhar. ”.

          Ele – Tem tanto tempo que visto este terno. Onde fica o Centro?
          O rapaz – O senhor tem que fazer baldeação.
          Ele – Baldeação.
         
          Tomou nota.

          Ele – E ... que linha que é isso?
          O rapaz – Em que lugar do Centro o senhor vai?
          Ele – Eu ... eu não sei.
          Ele – Ei, eu morava sozinho!
          O rapaz – Como é?
          Ele – Falaram comigo, mas ... eu morava sozinho.

          Ele refletiu.  

          O rapaz – Oxe!

          O rapaz continuou em direção a linha 3.
         
          O rapaz – Só pode ser doido.

          Falando sozinho.