quarta-feira, 1 de abril de 2015

          Não conseguia lembrar quando começou. É provável que já havia começado a algum tempo. Pensou que de nada adiantaria voltar tanto para compreender tudo. Lembrou do dia em que notou. Notou que algo deveria ser feito. Hoje já fazem alguns meses.
          Meses de noites de jantares em pratos postos à mesa, frios. Não engolia outra coisa senão pensamentos, desencontros, informações muitas, chiando da tevê, que não diziam coisa alguma. Uma indigestão de fazeres do dia e afazeres do próximo.
          Ele larga a louça na pia. Sente um forte cheiro do lixo que sepulta alimentos de quando .... Nem lembra mais a última vez que recebeu sua visita. Acredita que a louça acumulada possa vir a ser uma terapia, um pouco de atividade que minimize os desejos e as vontades - propagandas idealizadas da vida cheia em divertimento, sorriso, uma casa sempre limpa - de um, de todos os fins de semana que passam e não concretizam como esperado.
          Faz da louça o único objeto, patrimônio que pode, que tem para guardar. Para ter, quando quiser, um gosto, sentimento de que cabe à ele e de que dele depende, requer a decisão. Mas nem mesmo isso. Todas as manhãs quando, logo cedo, acorda, parece mágica. A louça some ou melhor sumiu? Está limpa, guardada no armário como se não tivesse sido utilizada.
          Esfrega as mãos nos olhos. Pois pode ser culpa da visão que dormiu tarde, ainda não despertou. Pois foi mais uma noite dos olhos abertos na claridade da tela, alternando intensidade de cor, induziam as piscadas até a hora em que, as vistas secas, o corpo não mais aguentou.